Projetar uma viagem que pode durar anos dá um pouquinho mais de trabalho do que planejar uma saída de fim de semana. Mas é uma etapa deliciosa de se fazer. É o momento em que você está inventando a sua liberdade, mas também te deixa com o nível de ansiedade nas alturas (o que te faz ficar mais tempo no banheiro do que você imagina).

A dualidade acompanha a teoria e a prática, o planejamento e a execução. São momentos em que só te resta você. Não tem para onde correr. Depois a estrada acelera o processo: a transformação. É o mal da solidão e o bem da liberdade. O tumulto das pessoas e a busca por privacidade. Aos poucos eu começo a ser a minha melhor companhia, e começo a me procurar mesmo sabendo da parte podre. Meu muro interno de Berlim vai se ruindo para sempre.

Os quilômetros vão passando e com eles eu começo a perder tudo aquilo que não preciso. Poucas moedas me restam no bolso com zíper. O peso metafórico excessivo vai deixando meus ombros e eu começo a pedalar sem dores. E quando há uma reta, e o vento permite, eu acelero sorrindo com os olhos úmidos, louco para trocar as moedas da verdade e da liberdade pela moeda da paz – até eu encontrar a paz. Um caixeiro-viajante que sempre tem a mercadoria que não precisa. É sempre o “não ter”.
Texto escrito no dia 17 de abril de 2022